Para executá-la é preciso haver profundo entendimento sobre o que está em jogo no momento da negociação e estabelecer uma estratégia bem definida, para que o acordo resultante tenha sustentação no tempo e possam ser aceitas por ambas as partes que estavam em conflito de interesse.
Por ser algo presente na vida de todas as pessoas, a negociação não pode ser pensada como um acontecimento isolado e sim como um processo inerente ao bom desenvolvimento das relações sociais, políticas e econômicas. Ela precisa ser entendida também como um exercício de influenciar as condições de resultados possíveis para que haja o acordo. Ou seja, é um processo decisório compartilhado, cujo resultado depende da habilidade dos negociadores.
Toda negociação exige, portanto, a compreensão dos limites em que ela se dá para que não haja falsas expectativas sobre sua eficácia.
Negociação financeira
Quando o assunto é negociação financeira, o conflito de interesse se repete. O credor quer continuar recebendo o montante de seu crédito e o devedor pode não estar mais em condições de cumprir o que havia contratado.
A negociação, nesse caso, se desenvolve por um processo composto de diferentes etapas. Vai do diagnóstico da situação conjuntural pelas partes à mesa, passa pelo planejamento para propor alternativas ao contrato, que precisa ser revisto, e pelas tratativas propriamente ditas, até se chegar ao resultado do acordo, que pode ser favorável ou não a quem solicitou a negociação.
A força do argumento para negociar está na clareza da proposta do devedor, que pode ser demonstrado com números condizentes com a realidade do seu negócio, refletindo o presente comprovado e o futuro projetado, para que o credor se sinta convencido de que não se trata apenas de um blefe.
São os dados reais entregues pelo devedor ao credor que darão sustentação ao novo acordo e vão pesar na decisão de ceder ou não novos benefícios. Ou seja, é a credibilidade do devedor que está em jogo.
A informação, portanto, significa seguramente, poder na negociação. Sua assimetria faz parte do jogo e é isso que torna a negociação tão envolvente. Se o devedor demonstrar insegurança em suas informações, a negociação tem tudo para lhe ser desfavorável.
Por outro lado, quanto mais o devedor dominar os argumentos predominantes e apontar saídas para redução do seu débito, se contrapondo com consistência ao que o credor havia oferecido, apontando como exemplo, possíveis falhas na metodologia de cálculo de juros, suas chances de um acordo aumentam.
No caso de dívidas bancárias e cartões de crédito, por exemplo, há jurisprudência favorável ao devedor contra cálculos com juros sobre juros, que é considerado um abuso e, por isso, pode resultar em revisão do valor devido.
Em casos extremos, quando o devedor já está 'enterrado' em dívidas, uma das saídas é acionar a Lei de Recuperação Judicial de Empresas (Lei nº 11.101/2005) e propor um plano de recuperação especial para o empreendimento.
Os pequenos negócios são os que mais sofrem em épocas de crise. Mas o devedor precisa saber o motivo que o levou ao desequilíbrio e procurar adaptar-se à crise. Ao identificar o quanto suas vendas caíram, tem que fazer um corte nos custos de igual tamanho. Até porque, sem esse rearranjo na estrutura não terá clareza sobre o cumprimento do acordo que está tentando fazer com o seu credor.
Muitas vezes o endividamento não acontece porque os clientes sumiram, a concorrência aumentou, os custos operacionais se elevaram ou o produto ou serviço perdeu atratividade no mercado, mas sim, porque havia expectativa superestimada sobre os seus resultados e as informações apresentadas ao credor para abrir o crédito estavam carregadas de incertezas.
Muito do desarranjo financeiro pode ser também resultado de decisões equivocadas em momentos de desespero, como vender mercadorias abaixo do valor de custo para fazer caixa, pedir dinheiro a empresas de factoring e linhas de crédito mais altas por falta de credibilidade em outras fontes com juros menores, vender bens importantes da empresa. Tudo isso só aumenta o problema.
De fato, se foi a crise o motor do desarranjo, o credor perceberá logo que se trata de uma questão pontual, porque ele tem elementos para fazer um diagnóstico preciso do devedor, como base no histórico de movimentação e na pontualidade dos pagamentos.
Se a crise comprometeu as metas esperadas, sendo um fato concreto e mensurável, de curta duração, o credor certamente estará aberto para a negociação e até pode ampliar o crédito, alongar o prazo de quitação da dívida, enfim. Mas para os devedores que já vinham mal financeiramente em períodos anteriores, a situação é mais complicada.
O devedor pode se orientar sobre esta questão por meio de consultorias especializadas. A atuação dos consultores se concentra em criar uma estrutura adequada, seja por meio das informações e orientações prestadas ou por meio de articulações com os credores, de modo a propiciar a redução das barreiras que enfrentam os empreendedores na busca por recursos financeiros, ou conscientizá-los de que assumir determinados tipos de dívidas não é, necessariamente, a solução para seus problemas financeiros, que pode ser encontrada a partir de uma mudança de perspectiva ou de forma de atuação.
BGC | Edição | junho 2020